Major Braga (PMPA) dá entrevista ao site Defesanet (04out2007)

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“Desconhecida da maioria dos brasileiros é a participação de um efetivo de policiais militares integrantes da United Nations Police (UNPOL), na Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (MINUSTAH).

Esses policiais, criteriosamente selecionados realizam um trabalho de fundamental importância para a MINUSTAH, já que mantêm um contato muito estreito com a Polícia Nacional Haitiana (PNH).

Acompanhe uma entrevista exclusiva com o Major José Vicente Braga da Silva, da Polícia Militar do Pará, chefe do contingente policial brasileiro.

Defesa@Net – Quem são os policias que compõem o efetivo brasileiro na UNPOL?
Major Braga –
A previsão do efetivo policial brasileiro na MINUSTAH, conforme acordo estabelecido entre o Brasil e a ONU é de um total de 4 Policiais Militares, sendo eles atualmente: Major PMPA José Vicente Braga da Silva (Chefe de Contingente); Cap BMRS Marco Antonio dos Santos Morais ; Cap BMRS Ricardo Freitas da Silva e 1º Ten PMDF Sergio Carrera de Albuquerque Melo Neto. A duração da missão de cada policial militar brasileiro no Haiti é de 1 ano. Nossa data de chegada foi o dia 19 de dezembro de 2006, com exceção do Cap Marco que chegou em 23 jun 2007. Só um detalhe que não é muito divulgado: nós somos selecionados pelo Comando de Operações Terrestres (COTER), do Exército Brasileiro, através de provas de tiro, direção e língua estrangeira.

Defesa@Net – Qual é o trabalho realizado por vocês no Haiti?
Major Braga –
Eu o Cap Marco trabalhamos na Traffic and Circulation Unit, unidade criada em jan 2007 para auxiliar e prover aconselhamento técnico à PNH (Policia Nacional do Haiti) a fim de implantar a sua Polícia de Trânsito, bem como mapear problemas de tráfego, produzindo posteriormente relatórios com sugestões de melhorias. Atualmente sou o TEAM LEADER e tenho em minha Unidade como colegas de trabalho policiais do Niger, Benin, Mali, Espanha, Sri Lanka, Rússia e dos Estados Unidos.

O Cap Freitas e o Ten Sergio Carrera trabalham com destaque na Diretoria de Operações da UNPOL, desempenhando o planejamento, a coordenação e comando (incident commander) de varias operações policiais e conjuntas entre UNPOL (incluindo as equipes de SWAT e FPU – tropas de choque internacionais), PNH e Militares em Cité Soleil e Martissant, entre outras. O Cap Freitas assumiu interinamente a Diretoria de Operações no mês de agosto, nas férias do titular, um Coronel Francês. Na Diretoria de Operações trabalham policiais da França, Argentina, Espanha, Russia, Estados Unidos, Canadá, Niger, China, Paquistão, Nepal e Jordânia.

Defesa@Net – Realizam trabalhos em conjunto com militares brasileiros e de outros países? Que tipo e como acontecem?
Major Braga –
Cada Unidade da UNPOL interage com os militares de acordo com a sua atividade. Na questão do trânsito realizamos várias operações com as Companhias de Engenharia do Brasil, do Chile e Equador, às quais são responsáveis por proporcionar a infra-estrutura viária ao Haiti , em conjunto com o Governo do país. Além disso, apoiarmos como unidade de ligação entre a PNH e os militares nas mais diversas operações, como check-points e visitas de autoridades a Porto Príncipe.

No que tange à Diretoria de Operações estamos atuando como incident commander – somos responsáveis por planejar e comandar no terreno as operações especiais que envolvem efetivos como Formed Police Units, SWAT , Militares e Polícia Nacional do Haiti. Trabalhamos em coordenação com os comandantes regionais a fim de colher informações sobre a atuação de criminosos no em todo o país. Também, integramos a seção responsável por facilitar o contato da UNPOL com o comando da PNH e com outras entidades haitianas no que concerne a operações policiais (escoltas, eventos de grande vulto, transferência de presos e varredura de áreas de maior complexidade, etc ).

Defesa@Net – Vocês integram um grupo de quase dois mil policiais de uma força multinacional. O que significa isso?
Major Braga –
A grande importância deste relacionamento é poder conhecer nossos limites e entender que o trabalho policial é difícil em todos os países. Percebemos claramente aqui no Haiti que o trabalho da polícia somente funciona com a participação da comunidade, não importa o país. Cada policial traz de seu país sua experiência profissional e cultural, fazendo com que a diversidade de conhecimentos policiais facilite a tomada de decisão nas mais diversas situações.

Defesa@Net – Que experiência vocês trarão para suas policias quando terminaram a missão no Haiti?
Major Braga –
A interação com policiais de todos os continentes nos proporciona uma visão ampla das diferentes estratégias de combate a criminalidade aplicadas em seus países de origem, bem como nos proporciona passar a estes policiais a experiência da Policia Militar brasileira. Planejamento estratégico envolvendo diversos países exige muitos cuidados e, por isso, nos proporciona uma grande experiência profissional. Com o conhecimento e experiência adquiridos aqui no Haiti poderemos contribuir com os nossos comandos e auxiliar a comunidade no Brasil.

Defesa@Net – Já se encontraram em alguma situação de perigo nessa missão? Já tiveram seu batismo de fogo?
Major Braga –
O policial militar brasileiro tem seu batismo de fogo ao ingressar na PM, pois a atividade policial é dinâmica e sempre perigosa, em qualquer lugar do mundo . Aqui trabalhamos em áreas que nos lembram alguns problemas e ocorrências vivenciadas pelas policias militares do Brasil. Devido a isso, podemos contribuir bastante com a Missão da ONU, face a nossa experiência no combate à criminalidade no Brasil.

Defesa@Net – Com relação à criminalidade, quais são os problemas mais comuns enfrentados pela UNPOL? O que é necessário para que a situação se estabilize?
Major Braga –
Envolver cada vez mais a comunidade no combate a criminalidade é um grande desafio para o Haiti . A MINUSTAH está trabalhando para incrementar o policiamento ostensivo e de trânsito e apoiando a PNH a melhorar sua relação comunitária.

Defesa@Net – Como armas e munição entravam no país e chegavam nas mãos das gangues?
Major Braga –
Não temos elementos suficientes para poder fazer qualquer afirmação sobre essas práticas, tal assunto não está em nosso nível de gerenciamento.

Defesa@Net – Fale sobre o Haiti e sua relação com o narcotráfico?
Major Braga
-Também não temos elementos para falar sobre isso. Está fora do nosso nível de atribuições. Contudo, certamente todos os esforços vêm sendo feitos para coibir esse tipo de crime ou de qualquer outra natureza .

Defesa@Net – Que equipamento de proteção pessoal cada um de vocês porta?
Major Braga –
Colete balístico e capacete são obrigatórios na missão. Esse material é fornecido pela ONU, mas o restante do equipamento (pistola, cinto de guarnição, bastão, algemas, munição) que utilizamos são oriundos das nossas Corporações PM e de cunho particular.

Defesa@Net – Sobre o trabalho realizado no trânsito, a PNH está conseguindo colocar em prática o conhecimento passado por vocês?
Major Braga –
O policiamento de trânsito foi implantado em janeiro de 2007 no Haiti, com a formatura de policiais especificamente treinados para atuar no trânsito de Porto Príncipe. Assim, com base no mandato da ONU no Haiti, o DCPR (Département de Police Routière), Departamento de Polícia de Trânsito, vem recebendo orientação técnica e monitoramento oriundo da UNPOL através da Unidade de TRAFFIC AND CIRCULATION, cujo Team Leader sou eu e tendo como subcomandante o Cap Marco.

É importante ressaltar que o Haiti vem apresentando sensível melhora na questão de segurança pública, fruto do trabalho da MINUSTAH , o que conduz a demandas sociais mais específicas, como o trânsito. Nesse sentido, a direção da PNH está cada vez mais consciente que o policiamento de trânsito é de suma importância para a paz social e sob nossa orientação vem conduzindo ações para a melhoria do trânsito em Porto Príncipe. Como exemplo disso, podemos citar que já foram instalados sinais de trânsito, faixas de pedestres e sinalização vertical em vários pontos da capital haitiana, coisa inimaginável a menos de um ano atrás.

Essa articulação com a PNH e com o governo haitiano, incluindo as “Mairies”, espécie de prefeituras nos bairros de Porto-Príncipe, vem sendo obtido devido ao contato diário dos membros da unidade de trânsito com os policiais haitianos nas ruas. A UNPOL também reconheceu a importância do policiamento de trânsito, pois inicialmente éramos somente 4 UNPOLs na Unidade e agora somos 10, com previsão para 15 UNPOLs a serem incorporados à nossa unidade ainda no mês de outubro.

Defesa@Net – Deixe uma mensagem sobre a importância do trabalho dos policiais brasileiros no Haiti.
Major Braga –
Realizar uma análise sobre a participação dos policiais militares brasileiros em Operações de Manutenção de Paz, mesmo que superficialmente, requer uma ampla visão contextual profissional, sob dois aspectos principais:
1. A contribuição para com a Missão da ONU, e
2. A contribuição levada às Corporações de origem quando do regresso ao Brasil.

A experiência profissional dos oficiais das PMs, tão duramente criticada no Brasil, se sobressai e se destaca no exterior dado um conjunto de valores agregados que somente quando postos em cheque numa missão internacional é que se pode concluir acerca de seus aspectos positivos. A experiência multifuncional adquirida pelo oficial PM com o trabalho administrativo, na chefia de seções de planejamento e recursos humanos, presidindo inquéritos e presidindo licitações, somada às atividades próprias de policiamento ostensivo geral, sempre enfrentando situações reais nos mais diversos tipos de conflitos sociais, proporciona ao oficial brasileiro uma experiência ampla em distintas variantes da atividade policial.

Tanto isso é verdade que na ocasião da entrevista a que nos submetemos no comando da UNPOL para a indicação da unidade em que iremos trabalhar, sempre perguntam em que tipo de policiamento possui alguma experiência, pois os policiais militares brasileiros sempre têm uma experiência mais ampla em quase todos os tipos de policiamento, fato que não é observado em policiais de outros países que, em sua grande maioria, possui experiência somente numa área de atuação. Essa experiência multifacetada dos brasileiros é valorizada nas missões de paz, visto que a tomada de decisões fica muito mais facilitada com essa visão ampla das atividades policiais.

Outro fator importante para nossa atividade é a questão lingüística: todos os policiais do contingente brasileiro aqui falam inglês e francês, além de se comunicarem em espanhol. Isso é, sem sombra de dúvida, algo altamente valorizado em qualquer missão de paz. Fomos submetidos a um rigoroso processo seletivo realizado pelo Exército, onde fundamentalmente o conhecimento de língua estrangeira define os aprovados e os aptos para compor uma Missão de Paz. E concordamos que assim deve ser, pois a polícia tem que interagir com a comunidade e sem comunicação de qualidade isso é impossível.

Tanto no monitoramento da PNH quanto na coordenação de operações e administração interna da Missão, o background trazido contribui sobremaneira para o cumprimento das funções de observador policial e bem representa o Estado Brasileiro no contexto mundial.

Após quase 1 ano trabalhando com policiais e militares de mais de 40 paises, fazendo da pluralidade de línguas e culturas o seu cotidiano e onde as divergências sempre existentes impõem desafios constantes e difíceis de serem contornados, mas que jamais tiram a vontade de trabalhar por um objetivo comum à estabilização da sociedade haitiana, percebemos que mesmo nos piores lugares a criminalidade pode diminuir.

Para nós, policiais militares, o Haiti apresenta muitas das mazelas com que lidamos todos os dias em nossos Estados de origem e isso nos faz acreditar mais ainda na importância do nosso trabalho e na importância do Brasil no mundo. Aqui, nosso país vem ajudando um país irmão da América a encontrar a paz. Temos certeza que o trabalho brasileiro nunca será esquecido no Haiti e muito nos orgulha saber que uma parte desse trabalho conta com a participação das Polícias Militares do Pará, do Distrito Federal e do Rio Grande do Sul.

Não poderia terminar sem antes enviar uma palavra de incentivo a todos os policiais militares que desejam participar de uma missão de paz: é uma experiência única, que merece ser vivida, apesar das enormes dificuldades.

Aos colegas policiais militares boinas-azuis brasileiros no mundo todo, um forte abraço da paz!”

Fonte: Site Defesanet

Entrevista cedida ao reporter enviado especial ao Haiti Kaiser Konrad

http://www.defesanet.com.br/missao/haiti_07_10.htm

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